15 de dez. de 2015

Entenda como a Paraíba está acompanhando casos de microcefalia.

Há um mês, o governo federal declarou estado de emergência por conta do crescimento no número de casos de microcefalia no país. Desde então, o Governo da Paraíba vem investigando casos suspeitos e acompanhando grávidas e bebês no estado. Para esclarecer esse processo, o diretor geral do Hospital Infantil Arlinda Marques e integrante da comissão de investigação da microcefalia, Bruno Leandro de Souza, explicou como estão sendo feitas as notificações, diagnósticos e encaminhamentos.


O médico pediatra informou que a identificação dos casos suspeitos começa no município de origem da gestante, durante o pré-natal. “Aquelas mulheres que fizeram pré-natal e que tiveram suspeita de zika vírus, ou seja, tiveram uma manchinha um pouco avermelhada, são encaminhadas para os 22 centros de referência da Paraíba”, disse. Essa triagem é feita por meio do projeto Círculo do Coração, que, além de identificar bebês com problemas cardíacos, também faz a triagem das gestantes com pré-natal de alto risco.

Nesses centros de referência do programa Círculo do Coração espalhados pelo estado, vão ser feitos exames nas grávidas. O primeiro é o exame de sangue, que vai ser repetido depois de duas semanas. Em seguida, as mulheres passam a ser acompanhadas ultrassonograficamente. “Se, por um acaso, houver alguma alteração, essa gestante continua sendo acompanhada por equipes de alto rico durante todo o pré-natal e durante o nascimento do bebê”, explicou Souza. Se não houver alteração, ela recebe alta e continua com o pré-natal normal.

As gestantes que têm um bebê com circunferência cerebral diminuída, mesmo que não tenham apresentado sinal de zika vírus, também vão ser acompanhadas com o mesmo procedimento. Os bebês que morrerem antes de nascer, os chamados natimortos, também vão ser investigados, caso a mãe tenha tido suspeita de zika, para verificar se o vírus causou o abortamento.

A criança que nasce com suspeita de microcefalia é encaminhada para um dos cinco centros de referência da Paraíba para a malformação, que são o Instituto Cândida Vargas, a Maternidade Frei Damião e o Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), em João Pessoa, o Instituto Saúde Elpídio de Almeida (ISEA), em Campina Grande, e a Maternidade Peregrino Filho, em Patos. Nessas unidades, as crianças vão passar por exames de imagem, a exemplo da ultrassonografia transfontanela. Caso seja necessário, ainda pode ser feita uma tomografia computadorizada.

“Em todas essas crianças, estão sendo colhidos também sangue e líquido da coluna, para fazer sorologia ou isolamento viral, e urina. De acordo com os exames, essa criança pode ser classificada com microcefalia relacionada ao zika vírus ou a outra doença, ou nenhuma delas e segue para encaminhamento nos ambulatórios”, esclareceu.

Se a criança tiver alteração cerebral, ela continua com o acompanhando multidisciplinar. “Nós já temos as Funads [Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência], as Apaes [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de João Pessoa] ou ambulatórios especializados. De acordo com cada região de origem, as crianças estão sendo encaminhadas para os centros de referência para reabilitação”, ressaltou.

Número de casos

O número de notificações na Paraíba cresceu de nove casos no dia 12 de novembro para 316 notificações até segunda-feira (5), sendo que em 40 deles a microcefalia foi descartada. Em todo o país, já são 1.761 casos em 13 estados e no Distrito Federal. Também são investigadas 19 mortes de crianças em oito estados. No último dia 4, a Paraíba também decretou emergência por causa da quantidade de casos de malformação notificados.

De acordo com Bruno Souza, as forças da Saúde estadual estão voltadas para diagnosticar o problema. “O profissional de saúde é orientado a notificar e, posteriormente, no centro de referência, é feito o diagnóstico para a confirmação ou exclusão do caso com base nos exames realizados”, relatou. Ele também explicou que está sendo feita uma busca retrospectiva dos casos, a partir de agosto de 2015.

Além do perímetro cefálico diminuído, os bebês com microcefalia têm alterações no sistema nervoso central de uma forma difusa, a exemplo de calcificações cerebrais, lisencefalia - quando o cérebro é todo liso -, e hipogenesia - ou seja, desenvolvimento deficiente - de algumas estruturas cerebrais.
“A depender do nível de alteração cerebral que aconteça na criança, as sequelas vão ser mais ou menos graves. Algumas, infelizmente, vão ser incompatíveis com a vida, se faltarem estruturas como o bulbo, que é responsável pelo centro da respiração e do coração. Mas em outros casos, as crianças vão ter um grande potencial, principalmente se elas forem acompanhadas com fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional e outras estruturas multidisciplinares”, relatou.

Mudança no protocolo

Desde terça-feira (8), o protocolo de notificação de casos de microcefalia mudou. Inicialmente, as crianças com 33 cm ou menos de perímetro cefálico (PC) eram notificadas como suspeita de microcefalia. Porém, esse número foi corrigido por sugestão do Ministério da Saúde junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) para 32 cm ou menos.

“Crianças com 33 cm ainda são consideradas como perímetro cefálico normal. Esse um centímetro realmente faz diferença porque agora se adequa muito mais à realidade. Mas é bom lembrar que, mesmo crianças com 32 cm, algumas não vão ter nenhum tipo de alteração no sistema nervoso central e não vão ter microcefalia propriamente dita”, esclareceu Bruno Leandro de Souza.

Souza ainda enfatizou que a mudança no protocolo não vai prejudicar a notificação e que os casos de crianças com 33 cm que já foram notificadas como suspeitos vão seguir sendo investigados. “Não há registro de crianças com 33 cm de perímetro cefálico com microcefalia. Essa notificação causava até dilemas éticos, porque crianças normais estavam sendo investigadas e isso é ruim para a própria família”, comentou.

A partir da publicação do protocolo, as vigilâncias dos estados e municípios também deverão realizar a detecção de casos de gestante com possível infecção pelo vírus zika durante a gestação; feto com alterações do Sistema Nervoso Central (SNC) possivelmente relacionada à infecção pelo vírus zika durante a gestação; aborto espontâneo decorrente de possível associação com infecção pelo vírus zika, durante a gestação; natimorto decorrente de possível infecção pelo vírus zika durante a gestação; e recém-nascido vivo (RNV) com microcefalia possivelmente associada à infecção pelo vírus zika, durante a gestação.

Plano de enfrentamento

O Plano Estadual de combate ao Aedes aegypti está em fase de elaboração e deve ser lançado nesta semana. Porém já foram adiantadas ações como uma análise para repasse de recursos para os municípios contratarem agentes comunitários de endemia. A intenção é iniciar janeiro com uma equipe maior dando suporte nas cidades paraibanas.

“Na parte do processo seletivo, já foi aberto o trâmite para a contratação dos agente de saúde. Já fizemos também parte de locação de veículos para ampliar o alcance do carro fumacê. Já atendemos a mais de 70 municípios do estado em 2015 com 10 carros. Estamos na fase de compra de mais cinco e outras secretarias estão cedendo carros para serem encaminhados a municípios com alto risco de infestação”, diz a gerente executiva de Vigilância em Saúde da SES, Renata Nóbrega.

Origem do vírus

Bruno Souza comentou que a infecção por zika vírus foi introduzida no Brasil na metade de 2014 e foi registrado um grande surto no primeiro trimestre de 2015. O vírus vem da África e, fora do continente, só teve um surto registrado nas ilhas da Polinésia Francesa, na Oceania. “Ela era uma infecção teoricamente simples, com poucos sintomas e de fácil resolutividade. Então todas as atenções voltadas para a zika começaram a partir de agora, com a relação com a microcefalia”, pontuou.

O médico explicou que na Polinésia Francesa também foi verificado um aumento da incidência de microcefalia na ocasião do surto de zika vírus. Na África, segundo ele, essa relação não foi identificada devido a outros problemas encontrados no continente.

“Outros problemas relacionados à subnutrição e a outras doenças endêmicas causam um confundimento em relação ao diagnóstico da microcefalia. Por isso, ela nem era diagnosticada e isso faz com que a gente não tenha registro prévio nos países africanos. Também existem outros problemas que podem gerar confundimento por causarem diminuição do perímetro cefálico”, comentou.

Segundo o pediatra, o caso do Brasil é diferente. “O que chama a atenção no Brasil, por ser diferente dos outros países, é a questão da dimensão continental. É por isso que a incidência do número de casos aumenta de uma forma muito mais proporcional”, ressaltou.

Fonte: G1 Paraíba