O grande poeta Manoel Xudu Sobrinho, Manoel Xudu, ou, simplesmente, Xudu, nasceu no distrito de São José de Pilar-PB em 15 de março de 1932 e faleceu em 1985, em Salgado de São Félix, onde residia.
Em uma cantoria o poeta Furiba entregou-lhe esta deixa:“Vê-se o pequeno saguimPulando de pau em pau”Xudu respondeu:
Admiro o pica-pau
Trepado num pé de angico,
Pulando de galho em galho
Tocô, tocô, tico, tico,
Nem sente dor de cabeça,
Nem quebra a ponta do bico.
Manoel Filó, admirável poeta, descrevendo com Xudu a vida dos pássaros, terminou uma sextilha assim:
Pra tão longe a ave voa,
De volta não erra o ninho.
Xudu, arrematando:
A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho de feno,
No meio bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.
Manoel Xudú era um abençoado de Deus. Certo dia, em seu desafios, um colega abordou:
Caro Manoel Xudu
tenho santa inspiração...
Xudu pega na deixa e diz:
Sou igualmente a pião
Saindo de uma ponteira
Que quando bate no chão
Chega levanta a poeira
Com tanta velocidade
Que muda a cor da madeira.
QUEM PERDE MÃE TEM RAZÃO
DE CHORAR O QUE PERDEU.
Manoel se concentrou, mirou com os olhos da mente o céu dai nspiração, e começou:
Minha mãe que me deu papa
Me deu doce, me deu bolo
Mamãe que me deu consolo
Leite fervido e garapa
Minha mãe me deu um tapa
E depois se arrependeu
Beijou aonde bateu
acabou a inchação
Quem perde mãe tem razão
De chorar o que perdeu
De outra vez, Manoel estava cantando e um camarada, meio bêbado, oferecia-lhe cerveja e insistia: "Olha a cerveja, Manoel ! Toma a cerveja!..." Manoel desembuxou e disse:
Deixe de sua imprudência
Deixe eu findar a peleja
Como é que eu posso cantar
Tocar e tomar cerveja
Cachorro é que tem três gostos
Que corre, late e fareja
Certa vez Xudú estava doente em um hospital sem poder receber visita, e uma enfermeira para quebrar aquele clima, trouxe um pires de doce. Aí ele abriu os olhos e disse:
No leito do hospital
Quando doente eu estava
A enfermeira trazia um pires
De doce e me dava
Só era doce no pires
Na minha boca amargava
O médico permitiu a entrada de um amigo muito intimo e compadre e poeta também, ao entrar no quarto o poeta soltou uma brincadeira para ver se quebrava o clima da tristeza:
“Essa boca de xudú´
Muito cachaça engoliu”
Xudú Respondeu:
Mais o doutor proibiu
De eu tomar cachaça e brama
E hoje eu bebo somente
Deitado na minha cama
Algumas gotas de lágrima
Que minha esposa derrama
No mesmo dia a mulher dele segurou a sua mão e ele disse:
Quando eu segurei a tua mão
Foi achando que ela estava fria
Ela tava tão quente e tão macia
Igualmente um capucho de algodão
Vou mandar repartir meu coração
Pra fazer-te presente dá metade
Pra gente ficar de igualdade
Tu me dá teu retrato eu dou o meu
O retrato me serve de museu
Pra eu guardar meu tomance de saudade
Deram um mote a Xudu: " A viola é a única companheira do poeta nas horas de amargura." Ele versejou:
" Se eu morrer num sábado de aleluia
E for levado ao campo mortuário,
Se alguém visitar o meu calvário,
Jogue água em cima com uma cuia.
Leve junto a viola de imbuia,
deixe em cima da minha sepultura.
Muito embora que fique uma mistura
De arame, de pus, terra e madeira,
A viola é a única companheira
Do poeta nas horas de amargura
Fontes: Livro de Zé de Cazuza "POETAS ENCANTADORES" Livro de Zé Marcolino (Vida, versos, violas) e Cantigas e Cantos
Manoel Xudu Sobrinho
por Ésio Rafael
"O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranqüilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo"
(Manoel Xudu)
Na cantoria de viola existem certos detalhes que personalizam determinados cantadores. Isso vem a ocorrer evidentemente, em outras categorias de artistas. Claro que os cantadores estão sempre preparados para enfrentar várias modalidades típicas da profissão, acrescentando aí, as regras impostas pelos Festivais de Violas que acontecem em alguns Estados da Federação. Mas, alguns se caracterizam tanto pela voz, como pelo toque da viola, ou por gostarem mais de desenvolver temas, como: martelo, sextilhas, sete linhas, mourões, etc.
Os chamados, “ouvintes de cantoria”, que também são poetas, apesar de não fabricarem os versos, exercem, e como exercem, uma cumplicidade com os cantadores. Eles sabem das histórias dos poetas, declamam seus versos de pé-de-parede, passam pra frente além de ter um passado histórico de imortalizar os vates mais consagrados. Ainda tem um detalhe fundamental relacionado à categoria dos “ouvintes”: eles inspiram os cantadores no momento em que criam os motes já com uma dosagem forte de um poema. Quando Manoel Filó dá o mote: - Uma gota de pranto molha o riso/ Quando o preso recebe a liberdade. Ou então: - O espinho é o vigia/Da inocência da flor. Eis aí, uma possibilidade real do cantador se inspirar, para produzir “pérolas”.
Manoel Xudu Sobrinho foi um homem simples, generoso, eternamente, cavalheiro, incapaz de um ato ríspido, mesmo nas horas em que sua tranqüilidade corresse o risco de ser ameaçada. Nem por isso deixou de ser um poeta atormentado, de permeio, entre “o mundo e o nada”, o pranto e o riso. Natural da cidade de Pilar, na Paraíba, conterrâneo de José Lins do Rego e de João Lourenço, violeiro em plena atividade profissional.
“A obra de Xudu exige um conhecimento maior desse gênio do repente. Cada estrofe é um monumento de Arte, a expressar uma cascata de emoções que despenca em uma alma profundamente humanística”.
Xudu preenche as exigências da categoria, no que concerne, o cantador, o poeta, e o repentista. O cantador canta em qualquer estilo, atende ao mercado, espreita os acontecimentos diários. O poeta não se explica, graças a Deus! Tudo tende à emoção. É o Arquiteto dos sonhos e da metáfora. O repentista é simplesmente maravilhoso! É a marca registrada do repente. É quem pega o fato no ar, muitas vezes sem saber nem o que vai dizer. Ele pega de bote.
Xudu era tudo isso, dentro de uma simplicidade tamanha, ele abordava os temas mais profundos, com a maior presteza:
A MULHER QUE EU CASEI
ALÉM DE LINDA É BREJEIRA
DAQUELAS QUE VAI À MISSA
NO DOMINGO E TERÇA-FEIRA
DAS QUE FAZ UMA SOMBRINHA
COM UM PÉ DE CARRAPATEIRA.
A arte do improviso alimentava corpo e alma deste poeta, do “Pilar”. Bom tocador de viola, o que é um tanto raro dentre os repentistas. Ele e Severino Ferreira quando se deparavam, o “cancão piava”, no desafio só de viola. Gostava de uma “branquinha”. Meu Deus! Às vezes os próprios colegas o prendiam num quarto, até de motel, contanto que ele estivesse bom para o desafio noturno dos “Festivais”.
Xudu colocava a mulher em uma sextilha, onde ela era cúmplice dele, e ainda era quem dava a “chave”. Mas, isso não bonito?
EU ESTAVA NA PRECISÃO
QUANDO ME CASEI COM NITA
NADA TINHA PRA LHE DAR
DEI-LHE UM VESTIDO CHITA
ELA OLHOU SORRINDO E DISSE
OH! QUE FAZENDA BONITA!
E então? Veremos agora, o Xudu autobiográfico. Revelando uma trajetória de vida no sacrifício, na porrada. Particularmente, nunca tinha visto uma autobiografia, tão sincera, com todas as etapas da vida do poeta. Genial:
DIA 13 DE MARÇO TERÇA-FEIRA
ANO MIL NOVECENTOS TRINTA E DOIS
POUCO TEMPO DEPOIS QUE O SOL SE PÔS
MAMÃE DAVA GEMIDOS NA ESTEIRA
NUMA CASA DE BARRO E DE MADEIRA
MUITO HUMILDE COBERTA DE CAPIM
EU NASCI PRA VIVER SOFRENDO ASSIM
MINHA DOR VEM DOS TEMPOS DE MENINO
VIVO TRISTE POR CAUSA DO DESTINO
E A SAUDADE CORRENDO ATRÁS DE MIM.
Daqui vai um alerta para aqueles que conhecem outras versões de alguns versos que por acaso constem nesta matéria. É que, os próprios ouvintes de cantoria, os cantadores, os livros (e são muitos), têm versões diferentes, no que concerne às mudanças constantes nas linhas ou estrofes, ou até relacionados à autoria de um verso. Eu mesmo, já presenciei contradições de versos dentro da casa do próprio Lourival Batista, cuja autoria era atribuída a ele. Isso é literatura oral. Portanto, o mais importante, é que ao alterarem estrofes dos versos, nunca se fere o princípio básico do que o autor quis passar para os ouvintes. Na sextilha do poeta, João Paraibano: - Eu estava no sertão/ Balançando em minha rede/ Vendo o açude vazio/ Com dois rachões na parede/ E as abelhas no velório/ Da flor que morreu de sede. Pois bem, este açude, coitado! Nessas alturas, já vai com mais 100 rachões na parede...
Manoel Xudu tinha o olho biônico. Seus versos eram recheados de carinho, paixão, desde quando necessários. O mote que ele recebeu, foi o seguinte: Pode ir lá que está gravado/ O nome de Ana Maria:
O NOME DA MINHA AMADA
ESCREVI COM EMOÇÃO
NA PALMA DA MINHA MÃO
NO CABO DA MINHA ENXADA
NO BATENTE DA CALÇADA
E NO FUNDO DA BACIA
NA CASCA DA MELANCIA
MAIS GROSSA DO MEU ROÇADO
“PODE IR LÁ QUE ESTÁ GRAVADO
O NOME DE ANA MARIA.
E agora? Agora vamos terminar esse papo, com Manoel Xudu Kafkiano. Pôxa! E Xudu sabia o que era Surrealismo? Então, para os leitores mais engajados:
A PRISÃO ONDE ESTAVAM OS CONDENADOS
NA ANTIGA CIDADE DE BEZETA
ERA TODA PINTADA À TINTA PRETA
E TRANCADA POR FORTES CADEADOS
GUARNECIDA POR TRINTA E DOIS SOLDADOS
CADA UM COM DOIS METROS DE ALTURA
E ALÉM DE SE LER A AMARGURA
NO SEMBLANTE DAS MUDAS SENTINELAS
QUEM OLHASSE PRAS GRADES DAS JANELAS
TAVA VENDO O RETRATO DAS TORTURAS.
Manoel Xudu cantando com Diniz Vitorino
Manoel Xudu
Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.
Diniz Vitorino
Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.
Manoel Xudu
Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.
Diniz Vitorino
Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.
Postado há 12th December 2009 por Maviael Melo
A GENIALIDADE DE MANOEL XUDU
Publicado por Luiz Berto em REPENTES, MOTES E GLOSAS - Pedro Fernando Malta
Numa meia construção
Eu fui trabalhar de meia
Com meia lata de areia
Meio metro alto do chão
O dono meio enrolão
E eu também meio tolo
Ele me deu meio tijolo
Com meio metro de linha
E na construção só tinha
Meia pedra e meio tijolo.
* * *
Nessa vida atribulada
O camponês se flagela
Chega em casa meia noite
Tira a tampa da panela
Vê o poema da fome
Escrito no fundo dela.
* * *
Deus querendo, todos comem
Que um dia Ele pregando
Mais de cinco mil pessoas
Que estavam lhe observando
Com cinco pães e dois peixes
Comeram e ficou sobrando.
* * *
Eu admiro muito o padre
Que seu conselho tem luz
Toda sua pregação
Nasce nos braços da cruz
Massa de trigo em mãos dele
Vira corpo de Jesus.
* * *
Uma galinha pequena
Faz coisa que eu me comovo:
Fica na ponta das asas
Para beliscar o ovo,
Quando vê que vem sem força
O bico do pinto novo.
* * *
Quanto é bonito a vaca
Se destacar do rebanho,
Dando de mamar ao filho
Quase do mesmo tamanho,
Lambendo as costas do bicho
Porque não sabe dar banho.
* * *
Sou igualmente a pião
saindo de uma ponteira
que quando bate no chão
chega levanta a poeira
com tanta velocidade
que muda a cor da madeira.
* * *
Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que Ele impera no trono divinal.
* * *
O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranqüilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.
* * *
Sou vulcão, pela cratera,
Suas lavas vomitando,
Sou um trovão estrondando
E corisco na atmosfera.
Meu bigode é de pantera,
Meu rosto não é bonito,
Mas tentação do maldito
Não desmantela o que eu faço.
Eu sou martelo de aço
E você pedra de granito.
* * *
Poesia tão linda e soberana
E tão pura, tão branca igual a um véu…
Está na terra, no mar, está no céu
E no pelo que tem a jitirana.
Ela está em quem vive a cortar cana
Quando volta pra casa ao meio dia…
Está num bolo de fava insossa e fria
Que um pobre mastiga com lingüiça.
Está na paz, no amor e na justiça
O mistério da doce poesia.
* * *
O mar se orgulha por ser vigoroso
Forte e gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move se agita
Parece um dragão feroz e raivoso
É verde, azulado, sereno, espumoso
Se espalha na terra, quer subir pra o ar
Se sacode todo querendo voar
Retumba, ribomba, peneira e balança
Não sangra, não seca, não para e nem cansa
São esses os fenômenos da beira do mar.
O próprio coqueiro se sente orgulhoso
Porque nasce e cresce na beira da praia
No tronco a areia da cor de cambraia
Seu caule enrugado, nervudo e fibroso
Se o vento não sopra é silencioso
Nem sequer a fronde se ver balançar
Porém se o vento com força soprar
A fronde estremece perde toda calma
As folhas se agitam, tremem e batem palma
Pedindo silêncio na beira do mar
Não há tempestades e nem furacões
Chuvadas de pedras num bosque esquisito
Quedas coriscos ou aerólito
Tiros de granadas de obuses canhões
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo serra a desabar
Nuvens mareantes, tremores de terra
Estrondo de bombas, rumores de guerra
Que imite a zoada das águas do mar.
Fonte: No pé da parede
Foto: acervo do blog