15 de out. de 2012

Embrapa estuda clonar animal brasileiro ameaçado de extinção.


Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estudam clonar animais silvestres da fauna brasileira, em uma iniciativa inédita no Brasil, segundo eles. A previsão é que o primeiro clone, ainda sem prazo para ser feito, seja de uma espécie ameaçada de extinção, de acordo com o pesquisador Carlos Frederico Martins, da Embrapa Cerrados.

A primeira fase da pesquisa de clonagem foi a formação de um banco de germoplasma (com células de animais, para conservar seu material genético), que inclui espécies em risco, como o mico-leão-preto, e outras fora de perigo. A ideia inicial era trabalhar com mamíferos silvestres do Cerrado, diz Martins.
O projeto, no entanto, foi ampliado e passou a incluir animais de outros biomas, como a Mata Atlântica. Agora o projeto entra na segunda etapa, que é estudar técnicas para fazer clones, afirma o pesquisador.

Uma das técnicas cogitadas é semelhante à usada para fazer a ovelha Dolly, aponta Martins. Dolly foi o primeiro mamífero clonado a partir de células adultas. O procedimento consiste em transferir o material genético de uma célula adulta do animal para um óvulo da mesma espécie. Nesse processo, o núcleo original do óvulo é retirado. O óvulo é "reprogramado" e passa a agir como célula embrionária, com potencial para dar origem a um novo indivíduo, explica o cientista.

Estabelecido em parceria com o Jardim Zoológico de Brasília, o projeto da Embrapa já tem 420 amostras de células de oito espécies diferentes no banco de germoplasma, ressalta Martins. "Temos, no banco, de dois a três animais de cada espécie", afirma. Entre os bichos estão lobos-guará, onças-pintadas e cachorros-do-mato, todos considerados vulneráveis na lista das espécies ameaçadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. A coleta de material genético para o banco de germoplasma vai continuar na nova etapa do estudo, aponta o cientista.

Convênio

Para dar o próximo passo, a Embrapa vai assinar um novo convênio com o zoo, que amplia os estudos e permite que seja feita a clonagem no futuro. O acordo deve ser assinado nesta semana. "A parte técnica está resolvida, só falta acertar os últimos detalhes", diz a diretora de pesquisa do zoológico, Carolina Lobo.

"O convênio que a gente está fazendo é para fornecer os materiais para tentar fazer isso. O objetivo final é tentar fazer a clonagem de um animal ameaçado de extinção, principalmente os animais mais ameaçados, visando a conservação", aponta Carolina.

Para o primeiro clone, uma das hipóteses é o lobo-guará, afirma o pesquisador da Embrapa. "É um animal que está em risco", diz ele. "A população tem diminuído bastante". A clonagem deste animal deve ser mais simples porque é possível fazer um procedimento inter-espécie, caso não haja óvulos disponíveis de lobo-guará, segundo o pesquisador. Neste caso, a técnica usada seria similar à da Dolly, mas com o óvulo de uma cadela, que é uma espécie compatível, aponta Martins. O clone, diz ele, teria 99% do DNA do doador.

O projeto de clonagem de animal silvestre é pioneiro no país, diz o pesquisador da Embrapa. "No Brasil, eu não conheço outras pessoas que estão estudando. No exterior tem alguns grupos, que eu saiba", diz ele. "Sendo autorizada a compra dos materiais, com certeza é possível ter início logo em seguida", diz Carolina, ressaltando que o que deve começar são os estudos, não a produção de um clone finalizado. Ela espera que em 2013 a pesquisa já esteja encaminhada.

O acordo com a Embrapa para o projeto é sem fins lucrativos e não envolve repasse de verbas entre as instituições, diz a diretora. Por enquanto, o zoológico ajuda na coleta de materiais que vão para o banco de germoplasma, entre outras funções. No futuro, óvulos dos animais em cativeiro poderão servir para estudos com clones. "Além de tudo, estamos tentando comprar o equipamento para a clonagem", diz Carolina.

O pesquisador da Embrapa ressalta que a pesquisa tem sido realizada com autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Neste novo convênio, nós estamos solicitando de novo a autorização para um período de dois anos", afirma Martins. Coordenadora de fauna do Ibama, Maria Izabel Soares da Silva disse ao G1 que em princípio não vê entraves jurídicos para a continuação da pesquisa. "Mas o projeto vai ser analisado quando chegar. Um analista vai emitir um parecer técnico" necessário para a continuidade dos estudos, afirmou ela.

Último recurso

Para o pesquisador da Embrapa, a clonagem pode ser um instrumento para ajudar na preservação de espécies criticamente ameaçadas, mas deve ser vista como um último recurso. É muito importante que haja consciência ambiental e que o habitat dos animais seja preservado, diz ele.

"A gente recebe críticas dizendo que estamos esquecendo da preservação do ambiente. Mas o que eu digo é que esta [a clonagem] é uma das ferramentas científicas que a gente está colocando à disposição. Lembrando que o ideal é a preservação da fauna onde ela está. A preservação do ambiente, estratégias de conservação dos animais, são fundamentais", pondera Martins.

Conservação

Procurado, o Conselho Federal de Biologia enviou um parecer sobre o tema, elaborado pelo professor de genética e evolução da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Rodrigues dos Santos. Para ele, a pesquisa de clonagem é válida e não há problemas éticos em fazê-la. "Não há mais problemas éticos do que fazer clone de qualquer outro animal doméstico", diz.

O professor avalia que as vantagens da pesquisa são manter animais ameaçados de extinção que possam ser criados em cativeiro e até restabelecer uma população semi-selvagem com risco de desaparecer. Ele pondera, no entanto, que a utilidade em termos de conservação ambiental deve ser muito limitada. "Em toda a biologia da conservação, a meta é preservar populações viáveis e não indivíduos. Para isto é preciso preservar habitats, e não indivíduos de cativeiro", afirma.

Para Santos, a clonagem "nunca poderá reconstituir uma população natural". "A maioria dos animais tem de aprender alguma coisa com seus pais selvagens, e isso não vai acontecer com os clones." Outra questão é a variabilidade genética, que é pouca ou inexistente nos clones. "Por várias razões, os clones ficarão nos zoos e outros tipos de criatórios", avalia o professor.

Fonte: Globo Natureza