Lúcio Flávio Vasconcelos, meu homônimo às avessas e colega de departamento na UFPB, publicou em sua página do Facebook uma defesa do impeachment da presidenta Dilma Rousseff sob o título “A legitimidade do Fora Dilma”.
Infelizmente, é imperativo reconhecer isso, Lúcio passa a entoar o cântico golpista e a compor o coro aecista da oposição.
Para justificar sua opção, Lúcio Flávio apela aparentemente para a memória histórica ao lembrar que o PT também defendeu, em momentos distintos, o “Fora Sarney”, o “Fora Collor” e o “Fora FHC”.
Como se trata de um debate político, é bom situar essas posições no seu tempo para evitarmos diversionismos.
Contra Sarney, havia no PT mais retórica do que uma intensão golpista de afastar a qualquer custo o então presidente, tanto que nenhuma ação destinada a propor o impeachment foi levada à frente. Sarney nunca foi ameaçado de ter o seu mandato interrompido.
Contra Collor, é bom lembrar, a adesão do PT se deu tardiamente e aconteceu apenas quando o movimento começava a adquirir apelo político e base de massas.
Isso porque, politicamente, não interessava ao PT o afastamento de Collor já que, caso ele concluísse o mandato, Lula seria favoritíssimo a vencer a eleição seguinte, a de 1994.
Como ficou demonstrado, o impeachment de Collor serviu antes de tudo para promover uma nova composição política. E a reorganização do bloco de poder que se deu em torno da eleição de FHC, cuja unidade levou às reformas promovidas durante o governo tucano.
Lembremos ainda que a proposta de impeachment de Collor partiu das organizações da sociedade civil (OAB, CNBB, ABI, UNE, etc.) e representou uma rara unidade da sociedade brasileira. Eis uma situação em que o impeachment torna-se uma saída política para uma grave crise institucional. Collor perdera a legitimidade como presidente e seu apoio no Congresso se reduzia ao então PFL, hoje DEM, e alguns parlamentares individualmente.
No caso de FHC, a afirmação não é verdadeira. O PT – nem o PCdoB – jamais defendeu o Fora FHC, mesmo que outras organizações políticas, como o MST, tenham empunhado a bandeira.
É importante situar isso porque, com essa posição, o PT demonstrava uma clara intenção de promover as mudanças que seu programa defendia por dentro da institucionalidade, e, para o bem e para o mal, sem as posturas mais à esquerda que orientaram as posições petistas na década de 1980, cujo corolário foi o programa de Lula, em 1989.
Além disso, também representava amadurecimento político e delineava uma preocupação com a consolidação das instituições democráticas no país: o PT temia ser vítima de possíveis maiorias ocasionais que desejassem lhe apear do poder quando o partido a ele chegasse.
E as alianças feitas em 2002 para eleger Lula, que foram ampliadas durante o governo, mais uma vez para o bem e para o mal, representam que o PT conquistou esse objetivo de se tornar “confiável” no exercício do poder.
Em uma outra passagem bastante sugestiva da postagem de Lúcio Flávio, por incorporar esse desprezo da oposição à Dilma pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas, num país cuja história republicana até 1985 foi marcada pelo golpismo civil-militar, as circunstâncias são decisivas para que os oposicionistas abracem essa bandeira:
“Inegavelmente o governo Dilma enfrenta a pior crise da era petista. Com uma mistura de desemprego crescente, escalada da inflação, mega corrupção na Petrobras e outros órgãos, e derrotas sucessivas no Congresso Nacional, é legítimo e esperado do jogo democrático que a oposição clame nas ruas: fora Dilma.”
Percebam que essas circunstâncias de dificuldades econômicas e de denúncias de corrupção que resultaram de investigações dos órgãos do Estado – o que deveria ser saudado como um avanço e não servir de justificativa para intenções pouco republicanas , – é o que demonstra o caráter golpista da defesa do impeachment de Dilma.
Notem que até agora nada implicou a presidenta Dilma Rousseff e, portanto, a defesa do afastamento antecede qualquer constatação de seu envolvimento com o que a oposição aponta.
É uma mera questão de momento, de timing, de circunstância. Enfim, trata-se do velho e conhecido oportunismo político, que é movido inegavelmente pelo desespero de Aécio Neves (e Cássio Cunha Lima, seu fiel escudeiro) de promover novas eleições em breve, já que eles não podem esperar por 2018 pois serão engolidos por Alckmin no PSDB.
Além disso, são fortemente questionáveis os argumentos da oposição tucana para justificar o pedido de impeachment. Seja o depoimento do dono da UTC, que procura corroborar a tese de procuradores de que as doações legais – sim, porque até agora nada do que foi apontado como “propina” apareceu em nenhuma conta particular de qualquer dirigente ou político petista – eram resultado de “propina”.
A hipocrisia e o cinismo atinge o seu grau mais elevado quando se constata que o mesmo empresário “doou” um valor muito mais alto à campanha de Aécio Neves.
Quanto as tais “pedaladas fiscais” – recursos de bancos públicos que foram usados, entre outras coisas, para pagamento de programas sociais, que foram em seguida devidamente ressarcidos pelo Tesouro, – os tucanos querem que sejam convertidas em crime de responsabilidade uma prática que se tornou usual desde o governo FHC e que foi aprovada pelo TCU até 2013. Por que só agora lembraram dessa “ilegalidade”?
Para terminar, meu caro Lúcio Flávio Vasconcelos, eu sugiro uma releitura a respeito da frase de Montesquieu que você utiliza para abrir sua postagem (“liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem, ou não proíbem.)
A frase nem de longe justifica as opções golpistas de figuras marcadamente republicanas como Aécio Neves, Cássio Cunha Lima, José Agripino Maia, Ronaldo Caiado e Eduardo Cunha. Pelo contrário. Montesquieu está preocupado com o abuso do poder – daí a necessidade de separação dos poderes.
O que vemos acontecer no Brasil, hoje, é o uso de instrumentos do Estado (juízes de várias instâncias, policiais federais, procuradores), com o claro e decisivo apoio da mídia, que esqueceram esse princípio elementar e fundante das sociedades democráticas modernas que é o da equidade jurídica. Sem ela, não pode haver lei para todos; sem ela, não pode haver liberdade plena, a não ser para alguns que estão acima da lei.
É uma pena, meu caro Lúcio, que sua adesão a Cássio tenha se estendido às ideias mais conservadoras que ele hoje abraça.
Fonte: Flávio Vieira