Estão redivivas nos milhões de jovens rebeldes de hoje as gerações de 60 e 70 do século passado, que se levantam e protestam pelas avenidas e recantos deste país e bradam bem alto, num grito que ecoa pelo mundo: Acorda Brasil.
Por que redivivas, hão de perguntar? Nos longínquos anos de meio século atrás, a nossa geração abraçou a luta pelas reformas estruturais. Em abril de 1964, a hidra militarista nos derrotou, impondo uma tirania de 21 anos de ditadura, com cassações, prisões, torturas e desaparecimento de mortos. E hoje, a história, esta força motriz da humanidade, traz às ruas e praças públicas do Brasil, oprimido por mentiras e corrupções, esta juventude rebelde com a qual comungamos.
Cabe às novas gerações abraçar as ideias reformistas com ousadia, mesmo que para tanto enfrente todos os desafios. O mais grave é a cumplicidade silenciosa com o passado. Um jovem descrente de si vai formar o enorme rebanho dos que não olham o porvir.
De jovens apáticos formam-se os contingentes dos indecisos e de tipos sem energia, condenados a mendigar migalhas nas antecâmaras do poder. Só aqueles que povoaram de ideais a sua juventude podem esperar a vida com força revitalizadora. Os jovens que não sabem olhar o porvir são pobres lacaios de uma sociedade viciada e de um passado funesto. Vacilar no meio do caminho é assassinar o próprio futuro.
A ditadura militar arrancou 21 anos de seivas vivas da nossa geração, atualmente retemperadas em milhões de jovens que sacodem o país com este brado retumbante: Acorda Brasil!
Que grande ideal esta juventude está vivendo! Mudar os rumos do país atolado em graves injustiças sociais, enquanto estádios de futebol faraônicos e edifícios babilônicos dos poderes são construídos e ostentados com o dinheiro público, sem nenhuma transparência ou satisfação ao povo.
Basta de cinismo, corrupção e deboche!
A nação, com os seus 200 milhões de viventes, cansou e grita bem alto a uma elite egoísta: Acorda Brasil!
Na energia da mocidade que se espalha pelas ruas do país, ela marca uma nova página na história, jogando para trás cumplicidades e vícios.
Os jovens indignados de hoje devem ser os verdadeiros atores neste cenário em que se visa construir um novo Brasil. Nesta tarefa reformadora tergiversar ante as armadilhas do poder, que jogueteia com falso e dispendioso plebiscito, é lançar no descrédito todo o patrimônio de esperança do povo brasileiro.
Esta nova geração não aceita compactuar com aqueles que impingiram graves injustiças sociais ao nosso povo, do político corrupto e cínico ao magistrado indolente embalado nos seus edifícios suntuosos.
A que grande engodo assistimos!
O Brasil, um dos países mais ricos do mundo, constrói estádios de futebol monumentais; contrastantemente, a maioria do seu povo queda-se entre os mais retardatários do planeta em educação, tecnologia e saúde.
Dane-se com a 6ª economia do mundo e o mar de lama desta babilônica copa do mundo.
É na rebeldia da juventude que a humanidade se renova.
Os indignados em todos os tempos realizaram obra fecunda e criadora, enquanto os domesticados e passivos engrossam o exército dos que nada renovam. Oh, jovens rebeldes, não os escutem, e, se necessário, os atropelem. Quem caminha abraçado a grandes causas não deve olhar o passado e nem ouvir os latidos dos vencidos pela história.
Gritam por aí, em TVs e internet, contra a violência de grupos nas patrióticas marchas por todos os recantos do país.
Que violência é esta? Quebrar vidraças de bancos e de sede de poderes empanturrados de corrupção.
Onde se encontra a verdadeira violência?
Nos milhões de brasileiros desamparados de saúde que perambulam pelos hospitais mendigando assistência médica.
Nos milhões de crianças que se quedam no submundo da educação pública condenadas à ignorância.
Num sistema tributário em que o consumidor e o assalariado carregam todo o peso da receita do país, enquanto os marajás de enormes lucros, banqueiros e empresários, trafegam imunes aos impostos, amparados em todo tipo de armadilhas, supostamente legais. E, pior ainda, eles gritam cinicamente: que enorme carga tributária nós suportamos.
Num sistema rodoviário de milhares de quilômetros em que se arranca do povo brasileiro mais de 150 bilhões de reais anualmente para construir e reparar estradas em benefício de empresas de cargas e de transporte, que não arcam com nenhum ônus.
Num modelo de reforma agrária elitista através do qual os recursos financeiros são destinados a pagar aos latifundiários a compra de suas terras improdutivas. No Brasil, o que se vê é negócio agrário e não reforma agrária.
O Brasil ocupa a 6° economia do mundo, contrastantemente, mais de 100 milhões de brasileiros são condenados a verdadeiros párias.
A que grande deboche assistimos!
Nota: Agassiz Almeida é escritor, ex-deputado federal constituinte, ativista dos direitos humanos. Em 1964, teve cassado o seu mandato de deputado pelo Golpe Militar por defender reformas de base para o país. É autor de consagradas obras sobre o elitismo e o militarismo. Recentemente, lançou o livro O fenômeno humano. Reais objetivos da viagem de Charles Darwin no HMS - Beagle, considerado pela crítica como uma desafiadora afronta a um mito universal.
E-mail: Jorge Brito