Quase dois meses após terem os direitos trabalhistas ampliados com a entrada em vigor da chamada "PEC das Domésticas", um questionário aplicado a candidatos que vão prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) causou desconforto entre alunos, empregadas da categoria e o Ministério da Educação (MEC).
No ato da inscrição, o estudante que quiser fazer o Enem deve responder a perguntas que versam sobre dados socieconômicos, como a renda mensal familiar e a escolaridade.
No entanto, o formulário tem um item interpretado por alguns alunos como preconceituoso.
Na questão número 7, o candidato deve assinalar, dentre os itens na lista, quais ele possui dentro de casa. A polêmica acontece porque, além de objetos como TV, geladeira, aspirador de pó, automóvel e computador, surge a opção "empregada mensalista".
- Isso é um ato discriminatório porque nos reduziu a objetos. Não foi perguntado se na casa do aluno havia pais, filhos ou parentes. Só objetos e as empregadas domésticas. E o mais grave é que quem elaborou esse questionário são pessoas ligadas à educação, são formadores de opinião. Será que eles ensinam para as crianças que empregadas são utensílios domésticos? - questionou a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza Maria de Oliveira.
Em nota, o MEC reconheceu a infelicidade da pergunta. O órgão afirmou que "o ministro Aloizio Mercadante considera que a forma da pergunta que se refere a trabalhadores domésticos é inadequada, e vai encaminhar a necessidade de sua adequação, preservando os critérios técnicos, mas garantindo integralmente o respeito àqueles trabalhadores".
O questionário socieconômico é aplicado aos candidatos do Enem desde 1998. A partir de 2009, ele passou a ser preenchido pela internet, no ato da inscrição na prova. O formulário serve para que o MEC possa avaliar o perfil do estudante que presta o Enem e, com base nos dados coletados, elaborar políticas educacionais, como cotas para universidades. O candidato deve informar, por exemplo, qual a renda familiar mensal, a escolaridade de seus pais e se trabalhou antes de prestar a prova.
- É um absurdo, num momento em que a gente está discutindo a legislação das domésticas, tentando garantir mais direitos a elas, o Enem compará-las a objetos. Essa pergunta é muito infeliz, porque o Brasil ainda tem heranças da escravidão que parecem vincadas na terra - afirmou uma candidata identificada apenas como Gabriela.
De acordo com a coordenadora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Maria Salete Souza de Amorim, a forma como a pergunta foi formulada reduz a categoria profissional a objetos, e por isso, ela deveria ter sido feita separadamente.
- Dentre os itens apresentados constam apenas objetos, portanto não cabe o item 'empregada mensalista'. Seria necessário criar outra questão com outras categorias para inserir essa informação - observou a professora.
Já o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Munhoz Alavarse, especialista em questionários socieconômicos, a polêmica seria "exagerada". Para ele, o formulário está correto no que se propõe, ou seja, avaliar o rendimento escolar e as condições sociais de escolas e alunos. Entretanto, como forma de eliminar ambiguidades, a pergunta específica da empregada mensalista deveria ter sido feita separadamente.
- O item 7 não necessariamente deve ser interpretado como posse de bens materiais, pois "ter em sua casa" pode assumir no português a ideia de haver, existir, encontrar etc., mesmo que o fato de 'Empregada mensalista' aparecer no rol de utensílios domésticos possa induzir a interpretações como teriam sido feitas por alguns candidatos. Como hipótese, poderia haver a alternativa "Empregada mensalista" separadamente - sugeriu Alavarse.
Fonte: O globo